Resenha – Notas do Subsolo – Fiódor Dostoiévski

Bom dia 🌹

Como mencionado no post anterior eu finalmente terminei de ler Notas do Subsolo e sinto-me diferente de certa forma, é muito bom concluir um livro e saber que se passará quantos anos forem, você sempre irá se lembrar da história com carinho Vale lembrar que o livro foi traduzido diretamente do russo por Maria Ap. Botelho Pereira Soares (amo traduções diretamente da língua materna).

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Gênero: Novela/Filosofia | Número de páginas:160 | Editora: L&PM POCKET| Autor: Fiódor Dostoiévski

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Classificação: Excelente

Sinopse: Notas do subsolo é um marco no grandioso conjunto de obras que Dostoiévski legou à humanidade. Dotado de um humor mordaz, provocativo e desafiador, este livro introduz as idéias de moral e política que o escritor mais tarde abordaria nas obras-primas Crime e castigo e Os irmãos Karamazóv. Sua idéia de “homem subterrâneo” legou à ficção européia moderna um dos seus principais arquétipos, encontrado também em Kafka, Hesse, Camus e Sartre: o anti-herói morbidamente obcecado com a sua própria impotência de lidar com a realidade que o cerca.
Esta obra, publicada inicialmente na revista Epokha, editada por Dostoiévski e por seu irmão Mikhail, traz em si várias discussões filosóficas. Dividida em duas partes, é um autoflagelante monólogo no qual o narrador, um rebelde contrário ao materialismo e ao conformismo, discute sua visão negativa do mundo e aborda as principais questões do seu tempo, constituindo uma narrativa de uma intensidade incomum.

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Acredito que em algum momento eu tenha apresentado certa dificuldade em começar esta resenha, pensei muito, muito mesmo por onde iniciar.  Em que dar prioridade? No que colocar ênfase? O que é indispensável?  E tudo da maneira mais simples possível! Não me perdoaria se fizesse algo mais ou menos, na verdade caso o fizesse nem atreveria-me a publicar, não resta-me mas nada à não ser acreditar que fiz um bom trabalho. Essa foi uma das leituras mais prazerosas que tive. Entendam, uma resenha consiste em ser imparcial, mas pergunte-me varias vezes como ser, nesta ocasião!

Quem já leu sabe, é um livro bem complexo (ao menos eu achei). Quando você se perde lendo muitos romances e livros atuais e de repente lê um clássico, acaba se sentindo meio acuado com esse tipo de leitura, com uma narrativa bem diferente da qual acostumou-se acaba então, tendo um pequeno impacto, foi o que apresentei no começo (sim, apenas no começo).

De todo modo tudo tem seu inicio, não?  Então lá vou eu … Do começo!

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“Sou um homem doente… Sou mau. Não tenho atrativos.” Pg 01.

O livro é dividido em duas partes na primeira (Subsolo) ele (o narrador que não revela seu nome em momento algum) relata coisas pessoais, sua perspectiva de ver as coisas à seu redor e à si mesmo. Uma confissão acerca de si, política, filosofia, sociedade onde ele dialoga com o leitor em primeira pessoa incitando- os a desafiá-lo, a contradizê-lo, ele refere-se quase sempre a estes leitores como “meus senhores”. Penso que nesta primeira parte posso colocar como exemplo um diário, sim, digamos que seja um diário onde de maneira negativa e certa forma divertida ele abrange assuntos com um ar amargo, torpe e ignóbil em seus questionamentos e reflexões.

“Não apenas consegui tornar-me cruel, como também não consegui tornar nada, nem mau, nem bom, nem canalha, nem homem, nem honrado, nem herói, nem inseto.” Pg 13.

O narrador se auto contradiz muito, ora elogia-se e imponha seu orgulho de ser o homem que é, ora se lastima por ser um misero e hediondo homem de quarenta anos que não tem nada nem ninguém, que não é nada.

 Há uma apresentação infeliz de baixa auto-estima muito alta, quase sempre apontando a necessidade de desafiar o leitor a sentir pena dele, inclusive ele mesmo muitas vezes apresenta esta dádiva em diversas partes ao decorrer da história.

“Explico-lhes: o deleite aqui derivava precisamente da consciência excessivamente clara de minha humilhação; de que você sente que já chegou ao derradeiro limite; que isso é detestável; mas também, que outra coisa é impossível; que você já não tem saída, já não pode mudar. Mesmo se ainda restasse tempo e fé para se transformar em algo diferente, provavelmente você mesmo não iria querer se transformar; e, se quisesse, ainda assim não faria nada, porque talvez não houvesse no que se transformar.” Pg 16.

Em seus momentos de lamúrias o narrador culpa-se por ser o que é, culpa-se pela sua condição vil, e pelo fato de ser o que é (vil), não faz questão alguma de mudar.

“Sou, por exemplo, uma pessoa com um amor próprio exagerado. Sou desconfiado e ressentido, como um corcunda ou um anão, embora, verdade seja dita, houvesse momentos em que, se me dessem uma bofetada, eu talvez ficasse alegre com isso. Estou falando sério: provavelmente eu conseguiria, ai também achar um certo tipo de prazer, sem duvida, o prazer do desespero, mas é no desespero que acontecem os prazeres mais intensos, especialmente quando você já percebe muito fortemente que sua situação não tem saída.” Pg 17.

“… por mais que eu reflita a respeito, de qualquer maneira resulta que eu sou o principal culpado de tudo e, o que é mais lastimável, sou culpado sem culpa e de acordo com as leis da natureza, por assim dizer.”Pg 17

Ainda nesta primeira parte ele repassa seus momentos nesta suas confusões de idéias, dúvidas, ressentimentos, o que sempre acaba trazendo a tona mais perguntas do que respostas, embora em suas respostas quase convincentes -assim por dizer -, ele sempre busque uma justificativa para seus leitores, quanto para si mesmo, dos seus porquês.

“Mas o homem é um ser inconstante” Pg 44

“Estou convencido de que o homem nunca renunciara ao sofrimento verdadeiro, isto é, à destruição e ao caos.” Pg 46

“Mas o que fazer se meti na minha cabeça que não vivo somente para isso e que, se vou viver, quero que seja num palácio? Isso é o meu desejo, é a minha vontade. Os senhores só a arrancaram de mim quando tiverem modificado os meus desejos.” Pg 47

“Não direi que estou saciado se tenho fome; mesmo assim, sei que não me contentarei com um meio termo.” Pg 47

“Destruam meus desejos, apaguem meus ideais, mostrem-me alguma coisa melhor e serei seu seguidor” Pg 47

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Ok, vamos então a segunda parte …

Em todo o contexto foi aqui que mais me diverti lendo, nesta segunda parte (A propósito da neve úmida – pg 53), há uma breve introdução do poema de Nekrássov e seguimos com o narrador aprofundando-se mais ainda em seus motivos que o fizeram ser tão desprezível quanto afirma ser. Composto por suas lembranças, a narrativa com humor e sátira, introduz suas desafortunadas tentativas de ser bem visto na sociedade, ser respeitado e querido por aqueles que o rodeiam.

“Havia ainda naquela época outra circunstância que me torturava: precisamente o fato de que ninguém se parecia comigo e eu não era parecido com ninguém. Eu sou único e eles são todos”. Pg 56

Como mencionei acima, há uma contradição demasia e todo um drama, uma insensatez absurda que o domina.

“Um papel secundário eu nunca pude aceitar, e era por isso que na vida real ocupava muito tranquilamente o último lugar. Ou herói ou a lama, não havia meio termo. Pg 69

 Nessas devidas ocasiões o narrador vive de suas fantasias, remoe-se por dentro para ser bem visto. Há toda uma alusão e paranoia que ele mesmo cria para si e não descansa até fazer algo a respeito ou ter uma resposta, algo afirmativo que o deixe descansar a mente e/ou ter algum certo tipo de alívio. Paranoia, definitivamente é como eu classificaria esta segunda parte.  Em uma determinada ocasião o narrador com uma audácia e inteligência mordaz justifica-se relembrando o fato de um oficial ter-lo empurrado e ele se sente um nada, humilhado e sem valor, o que incita-o  a vingar-se, e assim passam alguns anos e ele insiste em dar o troco, criando todo um plano a respeito, ele encara isso como uma maneira de recuperar sua honra, algo que para ele é de extrema importância. Há também o desprezo e ódio que ele sente por seu empregado o Apollon, e também a personagem Lizza que é uma prostituta que entra na sua vida, e seus antigos colegas de escola, tudo isso consta nesta segunda parte.

Bom muita coisa acontece, o que eu disse nesta resenha não chega a ser nem 5% do que o livro realmente é. Agora posso entender o porquê de este livro ser um clássico e da importância de Dostoiévski tanto na literatura russa, como na mundial.

É uma leitura forte, divertida, que o faz questionar-se, é atual, é sagaz. E acredito que seja indispensável para qualquer amante de literatura. Mal posso esperar para ler outros trabalhos deste romancista russo.

Não posso encerrar mencionando que eu deveria informa-los sobre a questão do belo e sublime* e suas afirmações de ser um anti-heroi, porém acredito que já tenha escrito demais e bom, deixarei estas questões (que são importantes no livro), e as deixarei para que vocês mesmo tirem suas próprias conclusões, quando, -se desejarem-, lerem o livro.

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*Belo e Sublime refere-se ao tratado de Kant, Sobre o sublime e belo. A expressão o sublime e o belo era popular nos críticos russos nas décadas de 1830 e 1840. Pg 15.

NOTA: Espero que apreciem a resenha, acredito que tenha conseguido colocar tudo de mais importante e essencial, deu um pouquinho de trabalho, mas fiquei feliz com o resultado. 

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